Feminicídio e femigenocídio: relações de proximidades e distâncias

Autores

Palavras-chave:

femigenocídio; feminicídio; biopolítica; gênero.

Resumo

O presente artigo analisa duas diferentes categorias de dois diferentes campos: o feminicídio e o femigenocídio. Feminicídio, como conhecido, é uma categoria jurídica e o femigenocídio é uma categoria analítica da antropologia, proposta, em especial, por Rita Laura Segato. Toma-se como problema central as possibilidades de diálogo entre tais categoriais a partir de três entradas, na tentativa de produzir um mapa básico de suas proximidades e distâncias. A primeira entrada trata de uma análise dos conceitos, a reflexão sobre suas formulações em seus respetivos campos, e com isso, a diferença na abordagem. A segunda entrada propõe uma aproximação pela via da biopolítica. Esse encontro proposto por essa leitura sugere que a reflexão biopolítica é de “escala global”, ou seja, coloca fenômenos de massa em suas regularidades e repetições na ordem da reflexão sobre o poder. Tanto o feminicídio – que apenas ganha lugar no rol dos crimes por indicar um acontecimento reiterado e de conjunto – quanto o femigenocídio, colhem, biopoliticamente, um fenômeno em comum: a produção massiva, continuada, histórica e cultural de morte das mulheres. A terceira e última entrada busca pensar mais concretamente o fenômeno por trás das categorias de femigenocídio e feminicídio, especialmente, por meio da aceitabilidade e normalização dessas mortes, sustentadas pela inferiorização contínua dos corpos femininos. Assim, pela análise de pesquisas estatísticas e relatórios, observou-se a participação omissa do Estado brasileiro na produção dessas mortes, especialmente quando se trata das políticas públicas destinadas ao combate à violência contra as mulheres que foram, no período de 2019 a início de 2023, continuamente destruídas, explicitando ainda mais esse cenário de vulnerabilização e desprezo.  Por fim, conclui-se que o papel do Estado é de dupla valência com relação à mulher quando se pensa o modo biopolítico de atuação do feminicídio e femigenocídio. Tal situação expõe o Estado em seu papel como instrumento biopolítico e que, portanto, expõe os corpos das mulheres à violência e morte. Por outro lado, o Estado apresenta também uma face de reconhecimento das condições dadas e torna-se, assim, meio de resistência do qual ainda não se pode dispor.

Palavras-chave: femigenocídio; feminicídio; biopolítica; gênero.

Abstract

This article presents an analysis of two distinct categories within two different fields: femicide and femigenocide. Femicide, as it is known, is a legal category, whereas femigenocide is an analytical category of anthropology, as proposed by Rita Laura Segato. The objective is to examine the potential for dialogue between these categories, with a focus on three key inputs, in order to develop a preliminary map of their interrelationships and differences. The initial section addresses an examination of the concepts, a contemplation of their expressions within their respective domains, and a delineation of the distinctions in methodology. The second entry puts forth an approach informed by biopolitics. This encounter, as proposed by our reading, suggests that biopolitical reflection is conducted on a "global scale." It situates mass phenomena within the context of their regularities and repetitions, which inform the reflection on power. Both femicide, which is included on the list of crimes due to its repeated and collective nature, and femigenocide, from a biopolitical perspective, are associated with a shared phenomenon: the extensive, continuous, historical, and cultural production of women's deaths. The third and final entry aims to conceptualize the phenomenon underlying the categories of femigenocide and femicide, particularly through an examination of the acceptability and normalization of these deaths, which are sustained by the continued inferiorization of female bodies. Therefore, through the analysis of statistical research and reports, it was observed that the Brazilian State was absent from the production of these deaths, particularly about public policies aimed at combating violence against women. During the period between 2019 and early 2023, these policies were persistently undermined, thereby further elucidating the circumstances of vulnerability and disrespect. Ultimately, we can conclude that the role of the state is of dual significance in relation to women when considering the biopolitical mode of action of femicide and femigenocide. This situation reveals the state's role as a biopolitical instrument, thereby exposing women's bodies to violence and death. Conversely, the state also presents a face of recognition of the prevailing circumstances, thus becoming a means of resistance that is currently unavailable to us.

Keywords: femigenocide; feminicide; biopolitics; gender.

Resumen

Este artículo analiza dos categorías diferentes desde dos campos distintos: el feminicidio y el femigenocidio. El feminicidio, como se sabe, es una categoría jurídica y el femigenocidio es una categoría analítica procedente de la antropología, propuesta en particular por Rita Laura Segato. El problema central son las posibilidades de diálogo entre esas categorías a partir de tres entradas, en un intento de elaborar un mapa básico de sus proximidades y distancias. La primera entrada desarrolla el análisis de los conceptos, la reflexión sobre sus formulaciones en sus respectivos campos y, con ello, la diferencia de enfoque. La segunda entrada propone un acercamiento por medio de la biopolítica. Ese encuentro recomendado por esa lectura sugiere que la reflexión biopolítica es la “escala global”, es decir, que sitúa los fenómenos de masas en sus regularidades y repeticiones en el orden de la reflexión sobre el poder. Tanto el feminicidio - que solo gana un lugar en la lista de crímenes porque indica un hecho repetido y generalizado - como el femigenocidio, cosechan biopolíticamente un fenómeno en común: la producción masiva, continua, histórica y cultural de la muerte de las mujeres. La tercera y última entrada pretende pensar de forma más concreta el fenómeno que subyace a las categorías de femigenocidio y feminicidio, especialmente por la aceptabilidad y normalización de esas muertes, sustentadas en la continua de menosprecio del cuerpo de las mujeres. Así, por el análisis de investigaciones e informes estadísticos, se observó la participación descuidada del Estado brasileño en la producción de las muertes, especialmente cuando se trata de políticas públicas destinadas a combatir la violencia contra las mujeres que, en el período de 2019 a principios de 2023, fueron continuamente destruidas, haciendo aún más explícito ese escenario de vulnerabilidad y desprecio. Finalmente, se puede concluir que el papel del Estado es de doble en relación con las mujeres cuando se considera la forma biopolítica en que operan el feminicidio y el femigenocidio. Esa situación expone al estado en su papel de instrumento biopolítico, que, por lo tanto, expone los cuerpos de las mujeres a la violencia y a la muerte. Por el contrario, el Estado también presenta un rostro de reconocimiento de las condiciones dadas y se convierte así en un medio de resistencia del que todavía no se puede disponer.

Palabras clave: femigenocidio; feminicidio; biopolítica; género.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Amanda Caroline Generoso Meneguetti

Mestra em Direitos Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pós-graduanda em Direito Penal e Criminologia pela Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC). ORCiD: https://orcid.org/0000-0002-6302-1402.

Angela Couto Machado Fonseca

Professora da Universidade Federal do Paraná. Doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com período de estágio de doutoramento (bolsa sanduíche) École dês Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris. Mestre em Filosofia Moderna e Contemporânea pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curso de aperfeiçoamento em Epistemologia Moderna e Contemporânea no departamento de Filosofia da Università degli Studi di Firenze. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1996). Graduada em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (2001). ORCiD: https://orcid.org/0000-0001-6216-8114

Referências

BAZZICALUPO, L. Biopolítica: un mapa conceptual. Santa Cruz de

Tenerife: Melusina, 2016.

BENSO, S. G. Los crímenes de género y sus huellas: aproximación al

femigenocidio. Revista DEP, n. 24, p. 02-17, 2014. Disponível em: https://www.unive.it/pag/fileadmin/user_upload/dipartimenti/DSLCC/documenti/DEP/numeri/n24/Dep_01_Giletti.pdf. Acesso em: 04 dic. 2024.

BRASIL, Casa Civil. Lei n.º 14.674, de 14 de setembro de 2023. Altera a Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para dispor sobre auxílio-aluguel a ser concedido pelo juiz em decorrência de situação de vulnerabilidade social e econômica da ofendida afastada do lar. Brasília: Presidência da República, 2023. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14674.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2014.674%2C%20DE%2014,da%20ofendida%20afastada%20do%20lar. Acesso em: 04 dez. 2024.

BRASIL, Secretaria de Comunicação Social. Governo Federal retomou o Programa Mulher Viver sem Violência. Brasília: Ministério das Comunicações, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/obrasilvoltou/cuidado/governo-federal-retomou-o-programa-mulher-viver-sem-violencia. Acesso em: 04 dez. 2024.

BRASIL, Secretaria de Comunicação Social. Implantação de 40 Casas da Mulher Brasileira. Brasília: Ministério das Comunicações, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/obrasilvoltou/cuidado/implantacao-de-40-casas-da-mulher-brasileira. Acesso em: 04 dez. 2024.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos. Nota Técnica Análise do Orçamento de Políticas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (de 2019 a 2023). Disponível em: https://inesc.org.br/wp-content/uploads/2023/03/nt-orcamento-de-politicas-para-mulheres-v2_0703.pdf?x96134#:~:text=Com%20efeito%2C%20os%20recursos%20gastos,2020%20(ver%20Tabela%201). Acesso em: 04 dez. 2024.

LAGARDE, M. ¿A qué llamamos feminicidio? Por la vida y la libertad de las

Mujeres. Cámara de Diputados, p. 01-36, 2005. Disponível em:

https://xenero.webs.uvigo.es/profesorado/marcela_lagarde/feminicidio.pdf. Acesso em: 04 dic. 2024.

LAGARDE, M. El feminismo en mi vida: hitos, claves y topías. Ciudad de

México: Instituto de las Mujeres del Distrito Federal, 2012.

MARIANO, S. 862 feminicídios consumados e tentados no Brasil durante o 1º semestre; pelo menos 599 foram consumados. LESFEM. Disponível em: https://sway.office.com/HfVKjP73D6B8z65m?ref=Link. Acesso em: 04 dez. 2024.

MARTELLO, A. Governo Bolsonaro propõe 94% menos de recursos no Orçamento para combate à violência contra mulheres, diz levantamento. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/09/29/governo-bolsonaro-propoe-94percent-menos-de-recursos-no-orcamento-para-combate-a-violencia-contra-mulheres-diz-levantamento.ghtml. Acesso em: 04 dez. 2024.

RUSSELL, D.; CAPUTI, J. Femicide: sexist terrorism against women. In:

RADFORD, J.; RUSSELL, D. (Org.). Femicide: the politics of woman killing.

New York: Twayne Publishers, 1992.

RUSSELL, D. Feminicidio: una perspectiva global. México: Ceich-unam, 2006.

SCHEPER-HUGHES, N. Questioni di coscienza. Antropologia e genocidio.

In: DEI, F. (Org.). Antropologia della violenza. Roma: Meltemi, 2005.

SEGATO, R. L. Contra-pedagogías de la crueldad. Buenos Aires:

Prometeo Libros, 2018.

SEGATO, R. L. La guerra contra las mujeres. Madrid: Traficantes de Sueños,

Downloads

Publicado

2024-12-18

Como Citar

Meneguetti, A. C. G., & Fonseca, A. C. M. (2024). Feminicídio e femigenocídio: relações de proximidades e distâncias. IUS GENTIUM, 15(2), 124–144. Recuperado de https://www.revistasuninter.com/iusgentium/index.php/iusgentium/article/view/762